domingo, 9 de outubro de 2011

Sexualidade entre pessoas com Transtorno Mental?

Sexualidade das Pessoas Portadoras de Deficiência Mental

Incluído em 22/03/2006

Dois temas que sempre despertam sentimentos fortes e variados são; deficientes mentais e sexualidade. Juntar os dois, sexualidade dos deficientes mentais causa mais espanto ainda. As dúvidas que acometem a sociedade em geral, e em particular as pessoas que lidam ou pretendem lidar com a Deficiência Mental, é saber se o deficiente mental tem ou não sexualidade e, em caso afirmativo, se sua sexualidade é sentida de maneira idêntica aos não deficientes.
O deficiente mental, como qualquer outra pessoa,
tem necessidades de expressar sua sexualidade e a maneira como ele faz isso acaba produzindo, muitas vezes, certo grau de constrangimento social e familiar. Reprimir a sua sexualidade não vai fazer com que ela desapareça, e as tentativas de dessexualizar o deficiente irão angustiá-lo e torná-lo mais agressivo. A repressão pura e simples da sexualidade pode alterar o equilíbrio emocional do deficiente, diminuindo as possibilidades de que ele tenha um desenvolvimento melhor. Quando bem encaminhada e orientada, a sexualidade melhora o desenvolvimento afetivo, facilitando a capacidade de se relacionar, melhorando a auto-estima e a adequação à sociedade.
Temos que compreender e aceitar a sexualidade como instrumento relacionado e não unicamente  como ato sexual. A sexualidade tem que ser entendida como:
·expressão da afetividade,
·capacidade de estar em contacto consigo e com o outro,
·construção da auto-estima e do bem-estar.
Mas as dificuldades existem e são grandes. Saber lidar com a sexualidade dos filhos normais já é um tabu para a maioria dos pais, sendo o filho portador de deficiência mental as dificuldades, constrangimentos e dissimulações são ainda piores. Por medo de expor o adolescente deficiente mental a riscos físicos e emocionais, por constrangimento de se exporem a si próprios, muitos pais negam a existência do problema e preferem encarar o filho como se fosse assexuado. Por outro lado, alguns profissionais de instituições especializadas tendem a considerar os deficientes como pessoas hipersexualizadas, que não têm nenhum autocontrole, nem têm capacidade de um mínimo entendimento ético e social.
Contudo, apesar de existir um vasto leque de informação acerca das pessoas portadoras de Deficiência Mental (DM), de existir também uma tendência cultural propensa à integração de pessoas ou grupos de pessoas, os deficientes mentais ainda continuam enfrentando dificuldades sociais, tanto como alvo de marginalização, quanto pela exclusão. Apesar do avanço nos conhecimentos sobre a DM, os preconceitos e a ignorância acabam por comprometer significantemente a qualidade de vida e as necessidades afetivas dessas pessoas (Craft, 1987).
A Importância das Atitudes Profissionais
Ivone Domingues Félix diz que até aos finais do século XIX, as pessoas com deficiência, embora não fossem particularmente valorizadas, eram integrantes da comunidade, mas, com a revolução industrial apareceram os grandes asilos, geralmente localizados nos subúrbios rurais das grandes cidades.
Estas instituições segregavam as pessoas com doenças mentais, dificuldades de aprendizagem e os chamados “defeituosos morais” e, ao mesmo tempo em que asseguravam lugares protegidos a essas pessoas, deixavam a sociedade de produção em segurança mais confortável. Assim a sociedade também era protegida dos medos típicos da loucura e o eugenismo estava mais ou menos assegurado por conta do impedimento dessa população “alienada” de procriar (Beayrs, 1995).
Wolfensberger (Beayrs, 1995), tipificou alguns estereótipos mais comuns em relação às pessoas portadoras de DM. Elas são vistas como “eternas crianças”, “presentes de Deus” ou “santos inocentes” e, embora estas expressões pareçam benignas, elas afetam profundamente o comportamento, uma vez que a atitude da pessoa tende a ser profundamente afetada pelas expectativas sobre ela.
Apesar do crescente número de pessoas mais bem informadas e que abraçam o pensamento moderno em torno das questões da sexualidade e da Deficiência Mental, é possível encontrar ainda idéias de que as pessoas com DM têm “... forte inclinação” sexual, copulando sem qualquer controle pessoal, sendo uma ameaça para a sociedade (Craft, 1987).
Segundo Kempton (1980), juntar Deficiência Mental e Sexualidade, faz emergir um conjunto de atitudes, por parte dos pais e dos profissionais, que favorece muito mais a repressão da sexualidade nas pessoas portadoras de DM do que a sua vivência saudável.
Kempton (1983), sintetizando as diferentes atitudes face à sexualidade das pessoas portadoras de DM, considera que estas podem ser reduzidas a três categorias:
1. Eternas Crianças: Uma primeira atitude considera as pessoas portadoras de DM como eternas crianças, merecedoras de piedade, pelo que devem ser tratadas com benevolência. Esta atitude, paternalista, considera a sexualidade nas pessoas portadoras de DM como inexistente; se existe, apesar de tudo, há que negá-la e sublimá-la;
2. Seres Infra-Humanos: Uma segunda atitude considera-as como seres humanos inacabados ou grosseiros. Esta atitude, considera que as pessoas portadoras de DM são seres infra-humanos, mais próximos dos instintos dos animais do que dos seres humanos e devem, por isso, permanecer reclusas. Quando ocorrem comportamentos sexuais as reações são, na generalidade, de medo e de repulsa,
3. Pessoas em Desenvolvimento: Por último, a terceira atitude considera as pessoas portadoras de DM como pessoas em desenvolvimento, muito mais lento que o normal mas, em desenvolvimento. Esta atitude valoriza os comportamentos sexuais das pessoas portadoras de DM, considerando-as pessoas em desenvolvimento, propondo plenos direitos em todas as áreas da vida, incluindo a sexual.
O manejo da DM é realizado, geralmente, por professores, educadores, terapeutas ocupacionais, psicólogos, auxiliares e outros, muito mais do que por médicos neuropsiquiatras. Isso porque o quadro é relativamente estável e muito pouco se pode fazer medicamente para a DM, além de tratar de algumas complicações neuropsíquicas, como por exemplo, quadros de agitação, convulsões, alterações clínicas orgânicas, etc.
O diagnóstico da DM continua sendo sim atributo da medicina mas, depois disso, equipes multiprofissionais são envolvidas. É o mesmo que acontece com alguns casos de cegueira, onde, depois do diagnóstico, outros profissionais ocupam o lugar da medicina que diagnosticou o problema.
Esses profissionais envolvidos na lide com a DM costumam ter a tarefa de gerir os sentimentos e os interesses dos pacientes e dos pais. Muitas vezes eles têm que mediar as necessidades de uns com as expectativas de outros, para que não se tornem fontes de conflitos e de sofrimentos.
Entretanto, embora esses profissionais possam ter o privilégio de melhor acesso à educação sexual, alguns deles próprios denotam uma predisposição para o conservadorismo, ou inibição de algumas condutas mais flexíveis em decorrência da solicitação e expectativa dos pais em relação à sexualidade de seus filhos portadores de DM (Aizpurua, 1985).
Dentro das instituições especializadas os profissionais ressentem-se pela falta de normas claras sobre quais atividades sexuais podem e devem ser permitidas dentro das instituições, fazendo com que a orientação sexual, quando existe, seja fruto das disposições e iniciativas pessoais, mais do que das necessidades reais dos pacientes (Aizpurua, 1985).
Porttanto, há uma atitude aparentemente mais liberal por parte dos profissionais, mas mesmo assim ainda não se conseguiu alterar a problemática direta e indireta da sexualidade nas pessoas com deficiência e ainda estamos em uma fase de apenas maior tolerância (Kempton, 1978).
Ainda de acordo com Ivone Domingues Félix , revisões na literatura especializada entre as décadas de 70 e 80, citados por Aizpurua (1985), concluem que os problemas de adaptação dos portadores de DM orbitam em torno das seguintes situações:
• na maioria das instituições, a única expressão da sexualidade permitida é a masturbação e todos os outros comportamentos sexuais são recusados e considerados inaceitáveis, incluindo o mero contacto físico superficial;
• os diretores têm discursos e mesmo atitudes mais liberais do que os prestadores de cuidados diretos, no entanto, não se compreende a discrepância entre estas atitudes, mais tolerantes, e a realidade concreta das instituições;
• as atitudes dos profissionais assistentes (cuidadores) em contacto direto com as pessoas portadoras de DM são mais conservadoras do que as orientações dos profissionais especialistas;
• as atitudes dos profissionais cuidadores face à sexualidade das pessoas portadoras de DM constituem, invariavelmente, um reflexo dos seus valores pessoais;
• as atitudes dos profissionais cuidadores dependem de fatores como a idade, o nível de formação e tipo de ocupação.
Por sua vez, Brantlinger (1983), num estudo realizado a 232 pessoas com diferentes características sociais, etárias e profissionais, elaborou uma escala de atitudes face à sexualidade das pessoas portadoras de DM composta por 40 ítens - escala de Likert – “Sexuality and the Mentally Retarded Attitud Inventory – SMRAI”. Pela aplicação dessa escala, conclui que as variáveis que contribuem significativamente para maior ou menor tolerância em relação à sexualidade dos portadores de DM são: o tipo de ocupação, a freqüência e liberdade das conversas sobre temas relativos à sexualidade, o número de filhos, o nível de formação e a idade (mais ou menos nessa ordem). Conclui ainda que, apesar de muitas facetas da vida das pessoas portadoras de DM estarem já normalizadas, mesmo assim a supervisão na área da expressão da sexualidade continua sendo restritiva e repressiva.
Holmes (1998) foi outro que aplicou a escala de atitudes SMRAI, a uma amostra de 46 profissionais de diversas formações (enfermeiros, terapeutas ocupacionais, pessoal administrativo e outros) de um hospital. Uma das conclusões desse estudo, quase 2 décadas depois das primeiras observações, foi de que a maioria dos profissionais tinha uma atitude razoavelmente liberal face à atividade sexual das pessoas com deficiência. Outra conclusão foi que a maioria dos profissionais reconhecia a necessidade de mudança nas políticas doas instituições, no sentido de facilitar a expressão da sexualidade.
Um ano antes, entretanto, um estudo realizado por Mercier, Delville e Collignon (1997), comparou as atitudes dos pais e dos profissionais em relação à sexualidade das pessoas portadoras de DM, e se constatou que as atitudes de uns e outros são diferentes, sendo até contraditórias em alguns aspectos, realçando as necessidades de se implementar o diálogo entre os profissionais e os pais, evitando assim as contradições entre aqueles que procuram melhorar a vida destas pessoas.
A inclusão de atividades para a educação sexual aos profissionais das instituições, não é fácil, pois os preconceitos e tabus se misturam com toda a espécie de justificativas (morais, éticas, religiosas, culturais, etc, etc) para continuar não se fazendo nada.
e formação, a dificuldade implícita, por parte dos profissionais, em abordar alguns temas da sexualidade, o baixo nível de participação dos pais e, por fim, a dificuldade em estabelecer critérios de avaliação.
Apesar das atitudes com tendências liberais nas instituições, pouco tem mudado para a melhoria da vida sexual das pessoas portadoras de DM, incluindo daquelas cuja deficiência é mais leve e estejam bem controladas. Carecem maiores investigações para se conhecer as razões pelas quais os técnicos não promovem um clima mais aberto e tolerante de fato.
É importante lembrar que a sexualidade é uma função natural, existente em todos os indivíduos. Pode-se expressar no seu componente afetivo, erótico ou afetivo-erótico.
É sempre importante ressaltar que as pessoas deficientes não são semelhantes na capacidade de aprendizado, na independência, estabilidade emocional e habilidade social. Apesar dessas diferenças entre elas, quase todas são capazes de aprender a desenvolver algum nível de habilidade social e conhecimento sexual. Isso pode incluir, em um bom número de pacientes, habilidades para diferenciar comportamento apropriado e não apropriado e para desenvolver um senso de responsabilidade de cuidados pessoais e relacionamento com os outros.
Orientação Sexual
A orientação sexual deveria ser incluída na educação geral dos portadores de DM, integradas à estimulação sensório-motora, intelectual e das capacidades adaptativas ao meio social, de modo natural. De qualquer forma, os recursos didático-lúdicos, como, por exemplo, os jogos, a música, o esporte, de modo adequado à idade e ao nível de compreensão, são elementos integradores e interativos.
A melhoria contínua dos cuidados à saúde e a inclusão social que as pessoas com deficiência mental vêm alcançando nas últimas décadas, têm feito com que os deficientes mentais leves e moderados sejam capazes de viver integrados na comunidade e, portanto, expostos a riscos, liberdades e responsabilidades.
Uma pesquisa feita pelo psicólogo Hugues Costa da França Ribeiro, do Departamento de Educação Especial da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP (citado por - Ângela Trabbold), comprovou que os deficientes têm desejo sexual, anseiam por uma relação afetiva e são capazes de aprender a lidar com sua própria sexualidade. Na maioria das vezes, se o deficiente apresenta comportamentos inadequados, como se masturbar em local público, a causa do problema está na ausência de uma orientação e não na limitação intelectual, ressalta.
A sexualidade é um fator importante para o desenvolvimento da personalidade e as expressões de sexualidade dos deficientes mentais não devem ser recriminadas mas sim tratadas como algo natural.
Segundo Ribeiro, a pessoa com deficiência mental leve ou moderada pode compreender e adquirir parâmetros para discernir o que é adequado ou não, o que é privado ou público, se tem permissão de tocar em suas partes íntimas e ainda entender as conseqüências do ato sexual.
Os meninos portadores de DM precisam ser informados, por ocasião da adolescência, sobre a ejaculação, assim como as meninas necessitam de orientação sobre como lidar com a menstruação e ambos precisam ser informados sobre as mudanças pelas quais estão passando.
Comuns desde a infância, os jogos sexuais intensificam na adolescência e servem para a construção da identidade sexual. A exploração corporal nos casos de DM leve pode evoluir para a masturbação e mesmo para a relação sexual, dependendo do desenvolvimento psicosexual e do contexto sociocultural. Muitas vezes este tipo de manipulação sexual pode ser inadequado em determinados contextos sociais, acontecendo de forma explicita, pouco íntima e pública.
Geralmente a masturbação, no portador de DM, é a única forma de aliviar suas tensões sexuais, e a punição por isso pode complicar sua situação emocional. É preciso lidar com estas manifestações da sexualidade com paciência, colocando os limites necessários, de forma coerente e incisiva, quanto ao local onde essa prática é possível, onde pode ser efetuada com privacidade.
O Namoro
O namoro dos portadores de DM nem sempre tem a mesma conotação que tem nos não deficientes. Como muita freqüência eles confundem amizade com namoro, e nem sempre o desejo sexual está presente. Mas, o grande problema do namoro nestas condições é a aceitação dos familiares, bem como os riscos que terão de assumir.
Em relação à gravidez há um discurso, senão correto, ao menos politicamente interessante sobre o direito à maternidade/paternidade. Pois bem. Esse pretendido direito esbarra com o nível de independência do portador de DM, bem como com a vontade e condição da família em assumir a supervisão das atividades do casal e da criança, provavelmente para sempre.
O assédio sexual por parte do portador de deficiência mental é, normalmente, caracterizado por perguntas diretas e socialmente muito desinibidas, por propostas e atitudes inconvenientes e repetidas com insistência. Deve-se levar em conta que essa importunação pode ser devida à muitos fatores além do sexual, como por exemplo a ingenuidade, curiosidade e até manifestações afetivas.
Aqui também, como no caso da masturbação, a regra é colocar limites. Explicar de forma clara e paciente as inconveniências sociais de tais atitudes, os riscos que elas representam para piorar das relações sociais, esclarecer a confusão que se faz entre rejeição e colocação de limites, porém, a repressão pura e simples das manifestações sexuais do deficiente não é a solução.
Os pais e os profissionais que assistem portadores de DM devem lembrar que a vivência sexual do deficiente, quando bem conduzida, melhora o desenvolvimento e equilíbrio afetivo, incrementa a capacidade de estabelecer contatos interpessoais, fortalece a auto-estima e contribui para a inclusão social.
Uma das dificuldades na orientação sexual do deficiente é quando surgem ambigüidades de conduta e de orientação entre os pais e os profissionais assistentes da área. Quando existe discrepância nesse sentido surgem conflitos, atitudes incoerentes, frustração, dor e muita angústia para as pessoas portadoras de deficiência.

Fonte: Ballone GJ - Sexualidade das Pessoas Portadoras de Deficiência Mental - in. PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br, revisto em 2006. Acesso em 09/10/2011.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sua opinião é muito importante para mim...