Sexualidade das Pessoas Portadoras de Deficiência Mental
Incluído em 22/03/2006
Dois temas que sempre despertam sentimentos fortes e variados são; deficientes mentais e sexualidade. Juntar os dois, sexualidade dos deficientes mentais  causa mais espanto ainda. As dúvidas que acometem a sociedade em geral,  e em particular as pessoas que lidam ou pretendem lidar com a  Deficiência Mental, é saber se o deficiente mental tem ou não  sexualidade e, em caso afirmativo, se sua sexualidade é sentida de  maneira idêntica aos não deficientes.  
O deficiente mental, como qualquer outra pessoa, 
tem necessidades de  expressar sua sexualidade e a maneira como ele faz isso acaba  produzindo, muitas vezes, certo grau de constrangimento social e  familiar. Reprimir a sua sexualidade não vai fazer com que ela  desapareça, e as tentativas de dessexualizar o deficiente irão  angustiá-lo e torná-lo mais agressivo. A repressão pura e simples da  sexualidade pode alterar o equilíbrio emocional do deficiente,  diminuindo as possibilidades de que ele tenha um desenvolvimento melhor.  Quando bem encaminhada e orientada, a sexualidade melhora o  desenvolvimento afetivo, facilitando a capacidade de se relacionar,  melhorando a auto-estima e a adequação à sociedade.Temos que compreender e aceitar a sexualidade como instrumento  relacionado e não unicamente  como ato sexual. A sexualidade tem que ser  entendida como:
·expressão da afetividade,
·capacidade de estar em contacto consigo e com o outro,
·construção da auto-estima e do bem-estar.
Mas as dificuldades existem e são grandes. Saber lidar com a  sexualidade dos filhos normais já é um tabu para a maioria dos pais,  sendo o filho portador de deficiência mental as dificuldades,  constrangimentos e dissimulações são ainda piores. Por medo de expor o  adolescente deficiente mental a riscos físicos e emocionais, por  constrangimento de se exporem a si próprios, muitos pais negam a  existência do problema e preferem encarar o filho como se fosse  assexuado. Por outro lado, alguns profissionais de instituições  especializadas tendem a considerar os deficientes como pessoas  hipersexualizadas, que não têm nenhum autocontrole, nem têm capacidade  de um mínimo entendimento ético e social.
Contudo, apesar de existir um vasto leque de informação acerca das  pessoas portadoras de Deficiência Mental (DM), de existir também uma  tendência cultural propensa à integração de pessoas ou grupos de  pessoas, os deficientes mentais ainda continuam enfrentando dificuldades  sociais, tanto como alvo de marginalização, quanto pela exclusão.  Apesar do avanço nos conhecimentos sobre a DM, os preconceitos e a  ignorância acabam por comprometer significantemente a qualidade de vida e  as necessidades afetivas dessas pessoas (Craft, 1987).
A Importância das Atitudes Profissionais
Ivone Domingues Félix diz que até aos finais do século XIX, as pessoas com deficiência, embora não fossem particularmente valorizadas, eram integrantes da comunidade, mas, com a revolução industrial apareceram os grandes asilos, geralmente localizados nos subúrbios rurais das grandes cidades.
Ivone Domingues Félix diz que até aos finais do século XIX, as pessoas com deficiência, embora não fossem particularmente valorizadas, eram integrantes da comunidade, mas, com a revolução industrial apareceram os grandes asilos, geralmente localizados nos subúrbios rurais das grandes cidades.
Estas instituições segregavam as pessoas com doenças mentais,  dificuldades de aprendizagem e os chamados “defeituosos morais” e, ao  mesmo tempo em que asseguravam lugares protegidos a essas pessoas,  deixavam a sociedade de produção em segurança mais confortável. Assim a  sociedade também era protegida dos medos típicos da loucura e o  eugenismo estava mais ou menos assegurado por conta do impedimento dessa  população “alienada” de procriar (Beayrs, 1995).
Wolfensberger (Beayrs, 1995), tipificou alguns estereótipos mais  comuns em relação às pessoas portadoras de DM. Elas são vistas como  “eternas crianças”, “presentes de Deus” ou “santos inocentes” e, embora  estas expressões pareçam benignas, elas afetam profundamente o  comportamento, uma vez que a atitude da pessoa tende a ser profundamente  afetada pelas expectativas sobre ela.
Apesar do crescente número de pessoas mais bem informadas e que  abraçam o pensamento moderno em torno das questões da sexualidade e da  Deficiência Mental, é possível encontrar ainda idéias de que as pessoas  com DM têm “... forte inclinação” sexual, copulando sem qualquer controle pessoal, sendo uma ameaça para a sociedade (Craft, 1987).
Segundo Kempton (1980), juntar Deficiência Mental e Sexualidade, faz  emergir um conjunto de atitudes, por parte dos pais e dos profissionais,  que favorece muito mais a repressão da sexualidade nas pessoas  portadoras de DM do que a sua vivência saudável.
Kempton (1983), sintetizando as diferentes atitudes face à  sexualidade das pessoas portadoras de DM, considera que estas podem ser  reduzidas a três categorias:
1. Eternas Crianças: Uma primeira atitude considera as pessoas portadoras de DM como eternas crianças, merecedoras de piedade, pelo que devem ser tratadas com benevolência. Esta atitude, paternalista, considera a sexualidade nas pessoas portadoras de DM como inexistente; se existe, apesar de tudo, há que negá-la e sublimá-la;O manejo da DM é realizado, geralmente, por professores, educadores, terapeutas ocupacionais, psicólogos, auxiliares e outros, muito mais do que por médicos neuropsiquiatras. Isso porque o quadro é relativamente estável e muito pouco se pode fazer medicamente para a DM, além de tratar de algumas complicações neuropsíquicas, como por exemplo, quadros de agitação, convulsões, alterações clínicas orgânicas, etc.
2. Seres Infra-Humanos: Uma segunda atitude considera-as como seres humanos inacabados ou grosseiros. Esta atitude, considera que as pessoas portadoras de DM são seres infra-humanos, mais próximos dos instintos dos animais do que dos seres humanos e devem, por isso, permanecer reclusas. Quando ocorrem comportamentos sexuais as reações são, na generalidade, de medo e de repulsa,
3. Pessoas em Desenvolvimento: Por último, a terceira atitude considera as pessoas portadoras de DM como pessoas em desenvolvimento, muito mais lento que o normal mas, em desenvolvimento. Esta atitude valoriza os comportamentos sexuais das pessoas portadoras de DM, considerando-as pessoas em desenvolvimento, propondo plenos direitos em todas as áreas da vida, incluindo a sexual.
O diagnóstico da DM continua sendo sim atributo da medicina mas,  depois disso, equipes multiprofissionais são envolvidas. É o mesmo que  acontece com alguns casos de cegueira, onde, depois do diagnóstico,  outros profissionais ocupam o lugar da medicina que diagnosticou o  problema.
Esses profissionais envolvidos na lide com a DM costumam ter a tarefa  de gerir os sentimentos e os interesses dos pacientes e dos pais.  Muitas vezes eles têm que mediar as necessidades de uns com as  expectativas de outros, para que não se tornem fontes de conflitos e de  sofrimentos. 
Entretanto, embora esses profissionais possam ter o privilégio de  melhor acesso à educação sexual, alguns deles próprios denotam uma  predisposição para o conservadorismo, ou inibição de algumas condutas  mais flexíveis em decorrência da solicitação e expectativa dos pais em  relação à sexualidade de seus filhos portadores de DM (Aizpurua, 1985). 
Dentro das instituições especializadas os profissionais ressentem-se  pela falta de normas claras sobre quais atividades sexuais podem e devem  ser permitidas dentro das instituições, fazendo com que a orientação  sexual, quando existe, seja fruto das disposições e iniciativas  pessoais, mais do que das necessidades reais dos pacientes (Aizpurua,  1985).
Porttanto, há uma atitude aparentemente mais liberal por parte dos  profissionais, mas mesmo assim ainda não se conseguiu alterar a  problemática direta e indireta da sexualidade nas pessoas com  deficiência e ainda estamos em uma fase de apenas maior tolerância  (Kempton, 1978).
Ainda de acordo com Ivone Domingues Félix , revisões na literatura  especializada entre as décadas de 70 e 80, citados por Aizpurua (1985),  concluem que os problemas de adaptação dos portadores de DM orbitam em  torno das seguintes situações:
• na maioria das instituições, a única expressão da sexualidade permitida é a masturbação e todos os outros comportamentos sexuais são recusados e considerados inaceitáveis, incluindo o mero contacto físico superficial;
• os diretores têm discursos e mesmo atitudes mais liberais do que os prestadores de cuidados diretos, no entanto, não se compreende a discrepância entre estas atitudes, mais tolerantes, e a realidade concreta das instituições;
• as atitudes dos profissionais assistentes (cuidadores) em contacto direto com as pessoas portadoras de DM são mais conservadoras do que as orientações dos profissionais especialistas;
• as atitudes dos profissionais cuidadores face à sexualidade das pessoas portadoras de DM constituem, invariavelmente, um reflexo dos seus valores pessoais;
• as atitudes dos profissionais cuidadores dependem de fatores como a idade, o nível de formação e tipo de ocupação.
Por sua vez, Brantlinger (1983), num estudo realizado a 232 pessoas  com diferentes características sociais, etárias e profissionais,  elaborou uma escala de atitudes face à sexualidade das pessoas  portadoras de DM composta por 40 ítens - escala de Likert – “Sexuality and the Mentally Retarded Attitud Inventory  – SMRAI”. Pela aplicação dessa escala, conclui que as variáveis que  contribuem significativamente para maior ou menor tolerância em relação à  sexualidade dos portadores de DM são: o tipo de ocupação, a freqüência e  liberdade das conversas sobre temas relativos à sexualidade, o número  de filhos, o nível de formação e a idade (mais ou menos nessa ordem).  Conclui ainda que, apesar de muitas facetas da vida das pessoas  portadoras de DM estarem já normalizadas, mesmo assim a supervisão na  área da expressão da sexualidade continua sendo restritiva e repressiva.  
Holmes (1998) foi outro que aplicou a escala de atitudes SMRAI, a uma  amostra de 46 profissionais de diversas formações (enfermeiros,  terapeutas ocupacionais, pessoal administrativo e outros) de um  hospital. Uma das conclusões desse estudo, quase 2 décadas depois das  primeiras observações, foi de que a maioria dos profissionais tinha uma  atitude razoavelmente liberal face à atividade sexual das pessoas com  deficiência. Outra conclusão foi que a maioria dos profissionais  reconhecia a necessidade de mudança nas políticas doas instituições, no  sentido de facilitar a expressão da sexualidade.
Um ano antes, entretanto, um estudo realizado por Mercier, Delville e  Collignon (1997), comparou as atitudes dos pais e dos profissionais em  relação à sexualidade das pessoas portadoras de DM, e se constatou que  as atitudes de uns e outros são diferentes, sendo até contraditórias em  alguns aspectos, realçando as necessidades de se implementar o diálogo  entre os profissionais e os pais, evitando assim as contradições entre  aqueles que procuram melhorar a vida destas pessoas. 
A inclusão de atividades para a educação sexual aos profissionais das  instituições, não é fácil, pois os preconceitos e tabus se misturam com  toda a espécie de justificativas (morais, éticas, religiosas,  culturais, etc, etc) para continuar não se fazendo nada. 
e formação, a dificuldade implícita, por parte dos profissionais, em  abordar alguns temas da sexualidade, o baixo nível de participação dos  pais e, por fim, a dificuldade em estabelecer critérios de avaliação.
Apesar das atitudes com tendências liberais nas instituições, pouco  tem mudado para a melhoria da vida sexual das pessoas portadoras de DM,  incluindo daquelas cuja deficiência é mais leve e estejam bem  controladas. Carecem maiores investigações para se conhecer as razões  pelas quais os técnicos não promovem um clima mais aberto e tolerante de  fato.
É importante lembrar que a sexualidade é uma função natural,  existente em todos os indivíduos. Pode-se expressar no seu componente  afetivo, erótico ou afetivo-erótico.
É sempre importante ressaltar que as pessoas deficientes não são  semelhantes na capacidade de aprendizado, na independência, estabilidade  emocional e habilidade social. Apesar dessas diferenças entre elas,  quase todas são capazes de aprender a desenvolver algum nível de  habilidade social e conhecimento sexual. Isso pode incluir, em um bom  número de pacientes, habilidades para diferenciar comportamento  apropriado e não apropriado e para desenvolver um senso de  responsabilidade de cuidados pessoais e relacionamento com os outros.
Orientação Sexual
A orientação sexual deveria ser incluída na educação geral dos portadores de DM, integradas à estimulação sensório-motora, intelectual e das capacidades adaptativas ao meio social, de modo natural. De qualquer forma, os recursos didático-lúdicos, como, por exemplo, os jogos, a música, o esporte, de modo adequado à idade e ao nível de compreensão, são elementos integradores e interativos.
A orientação sexual deveria ser incluída na educação geral dos portadores de DM, integradas à estimulação sensório-motora, intelectual e das capacidades adaptativas ao meio social, de modo natural. De qualquer forma, os recursos didático-lúdicos, como, por exemplo, os jogos, a música, o esporte, de modo adequado à idade e ao nível de compreensão, são elementos integradores e interativos.
A melhoria contínua dos cuidados à saúde e a inclusão social que as  pessoas com deficiência mental vêm alcançando nas últimas décadas, têm  feito com que os deficientes mentais leves e moderados sejam capazes de  viver integrados na comunidade e, portanto, expostos a riscos,  liberdades e responsabilidades. 
Uma pesquisa feita pelo psicólogo Hugues Costa da França Ribeiro, do  Departamento de Educação Especial da Faculdade de Filosofia e Ciências  da UNESP (citado por - Ângela Trabbold),  comprovou que os deficientes têm desejo sexual, anseiam por uma relação  afetiva e são capazes de aprender a lidar com sua própria sexualidade.  Na maioria das vezes, se o deficiente apresenta comportamentos  inadequados, como se masturbar em local público, a causa do problema  está na ausência de uma orientação e não na limitação intelectual,  ressalta. 
A sexualidade é um fator importante para o desenvolvimento da  personalidade e as expressões de sexualidade dos deficientes mentais não  devem ser recriminadas mas sim tratadas como algo natural. 
Segundo Ribeiro, a pessoa com deficiência mental leve ou moderada  pode compreender e adquirir parâmetros para discernir o que é adequado  ou não, o que é privado ou público, se tem permissão de tocar em suas  partes íntimas e ainda entender as conseqüências do ato sexual.
Os meninos portadores de DM precisam ser informados, por ocasião da  adolescência, sobre a ejaculação, assim como as meninas necessitam de  orientação sobre como lidar com a menstruação e ambos precisam ser  informados sobre as mudanças pelas quais estão passando.
Comuns desde a infância, os jogos sexuais intensificam na  adolescência e servem para a construção da identidade sexual. A  exploração corporal nos casos de DM leve pode evoluir para a masturbação  e mesmo para a relação sexual, dependendo do desenvolvimento  psicosexual e do contexto sociocultural. Muitas vezes este tipo de  manipulação sexual pode ser inadequado em determinados contextos  sociais, acontecendo de forma explicita, pouco íntima e pública. 
Geralmente a masturbação, no portador de DM, é a única forma de  aliviar suas tensões sexuais, e a punição por isso pode complicar sua  situação emocional. É preciso lidar com estas manifestações da  sexualidade com paciência, colocando os limites necessários, de forma  coerente e incisiva, quanto ao local onde essa prática é possível, onde  pode ser efetuada com privacidade.
O Namoro
O namoro dos portadores de DM nem sempre tem a mesma conotação que tem nos não deficientes. Como muita freqüência eles confundem amizade com namoro, e nem sempre o desejo sexual está presente. Mas, o grande problema do namoro nestas condições é a aceitação dos familiares, bem como os riscos que terão de assumir.
O namoro dos portadores de DM nem sempre tem a mesma conotação que tem nos não deficientes. Como muita freqüência eles confundem amizade com namoro, e nem sempre o desejo sexual está presente. Mas, o grande problema do namoro nestas condições é a aceitação dos familiares, bem como os riscos que terão de assumir.
Em relação à gravidez há um discurso, senão correto, ao menos  politicamente interessante sobre o direito à maternidade/paternidade.  Pois bem. Esse pretendido direito esbarra com o nível de independência  do portador de DM, bem como com a vontade e condição da família em  assumir a supervisão das atividades do casal e da criança, provavelmente  para sempre.
O assédio sexual por parte do portador de deficiência mental é,  normalmente, caracterizado por perguntas diretas e socialmente muito  desinibidas, por propostas e atitudes inconvenientes e repetidas com  insistência. Deve-se levar em conta que essa importunação pode ser  devida à muitos fatores além do sexual, como por exemplo a ingenuidade,  curiosidade e até manifestações afetivas.
Aqui também, como no caso da masturbação, a regra é colocar limites.  Explicar de forma clara e paciente as inconveniências sociais de tais  atitudes, os riscos que elas representam para piorar das relações  sociais, esclarecer a confusão que se faz entre rejeição e colocação de  limites, porém, a repressão pura e simples das manifestações sexuais do  deficiente não é a solução. 
Os pais e os profissionais que assistem portadores de DM devem  lembrar que a vivência sexual do deficiente, quando bem conduzida,  melhora o desenvolvimento e equilíbrio afetivo, incrementa a capacidade  de estabelecer contatos interpessoais, fortalece a auto-estima e  contribui para a inclusão social.
Uma das dificuldades na orientação sexual do deficiente é quando  surgem ambigüidades de conduta e de orientação entre os pais e os  profissionais assistentes da área. Quando existe discrepância nesse  sentido surgem conflitos, atitudes incoerentes, frustração, dor e muita  angústia para as pessoas portadoras de deficiência.
Fonte: Ballone GJ - Sexualidade das Pessoas Portadoras de Deficiência Mental - in. PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br, revisto em 2006. Acesso em 09/10/2011.

 
 
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